domingo, 29 de novembro de 2009


Quero ficar no teu corpo Feito tatuagem Que é prá te dar coragem Prá seguir viagem Quando a noite vem... Quero ser a cicatriz Risonha e corrosiva Marcada a frio Ferro e fogo Em carne viva...

Chico Buarque
Os meus passos vão leves sobre as relvas, como se fossem memórias. Dizem que sou a maravilha, mas eu não sei quem sou. Habita em mim um fluido de desastres que cai sobre as épocas futuras como uma chuva que é nevoeiro.


Sou fatal como as noites e os outonos, e no meu coração há já uma saudade de todos quantos matarei.



Fernando Pesssoa
Ando tão a flor
da pele
Meu desejo
se confunde
Com a vontade
de não ser

Ando tão a flor
da pele
Que a minha pele
tem o fogo
De um juízo final..









Jards Macalé
Wally Salomão

quinta-feira, 26 de novembro de 2009


Você pode até me empurrar de um penhasco,que eu vou dizer:
E daí? Eu adoro voar!

Clarice Lispector
Inveja atroz

Tatiava lentamente
a pobre criatura em sua mão,
entre o espremer e o segurar
entre a inveja e a compaixão.

Em seus olhos um misto
de desespero e suplica,
o fitar os mórbidos olhos do algoz.

E aperta lentamente sua mão
como se apertasse
seu próprio coração.

Segurava em sua mão
toda liberdade que não tinha.


Dionísio
Voar, voar
Subir, subir
Ir por onde for
Descer até o céu cair
Ou mudar de cor
Anjos de gás
Asas de ilusão
E um sonho audaz
Feito um balão...

No ar, no ar
Eu sou assim
Brilho do farol
Além do mais
Amargo fim
Simplesmente sol...


Claudio Rabelo

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

jardim das delicias terrestres

Bosch
Se Clódia desprezou Catulo
E teve Rufus, Quintius, Gelius
Inacius e Ravidus
Tu podes muito bem, Dionísio,
Ter mais cinco mulheres
E desprezar Ariana
Que é centelha e âncora

E refrescar tuas noites
Com teus amores breves.
Ariana e Catulo, luxuriantes
Pretendem eternidade, e a coisa breve
A alma dos poetas não inflama.

Hilda Hislt
Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?

Hilda Hilst
Mas posso, encantada, se quiseres

Deitar-me com o amigo que escolheres
E ensinar à mulher e a ti, Dionísio,

A eloqüência da boca nos prazeres
E plantar no teu peito, prodigiosa
Um ciúme venenoso e derradeiro.


Hilda Hilst

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?

Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas

Obscenas, porque era assim que gostávamos.

Mas não menti gozo prazer lascívia

Nem omiti que a alma está além, buscando

Aquele Outro. E te repito: por que haverias

De querer minha alma na tua cama?

Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

Hilda Hilst

terça-feira, 17 de novembro de 2009


Abandonai toda esperança, vós que entrais!

A divina comédia
Dante Alighieri

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

"Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?!"

Castro Alves
Era um sonho dantesco... o tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.


Castro Alves
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco
as sombras voam...
Gritos, ais, maldições,
preces ressoam!
E ri-se Satanaz!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!..


Castro Alvez