quinta-feira, 5 de agosto de 2010


Não Sei Quantas Almas Tenho


Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem acabei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,


Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem;

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.


Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser.

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo : "Fui eu ?"

Deus sabe, porque o escreveu.



Fernando Pessoa
Contabilidade
Felicidade se conta com conta-gotas
Razão inversa das lágrimas que revertemos
Parco retorno de um investimento tão incerto
Que é de se pensar se vale a pena
Igualdade se conta no contracheque
Acionistas espocando a silibina
Especulando tanto que arde
A alta do preço do preservativo de baixa qualidade
Fraternidade se conta em genocídios
Homens fardados em missões saneadoras
E as estatísticas em frenética hemorragia
Manchando os aventais dos eleitores
Na nossa era
Na nossa era
Os varões exibem vis calculadoras
Na nossa era
Na nossa era
Carros, cartões de crédito, metralhadoras
Um milhão a mais um milhão a menos
Um milhão a mais um milhão a menos
Dez milhões a mais dez milhões a menos
Cem milhões a mais cem milhões a menos
Danilo Moraes
A Esfinge

Revesti-me de mistério
Por ser frágil,
Pois bem sei que decifrar-me
É destruir-me

No fundo não me importa
O enigma que proponho.

Por ser mulher e pássaro
E leoa,
Tendo forjado em aço
Minhas garras,
É que se espantam
E se apavoram.

Não me exalto.
Sei que virá o dia das respostas
E profetizo-me clara e desarmada.

E por saber que a morte
É a última chave,
Adivinho-me nas vítimas
Que estraçalho.


Myriam Fraga
A Mariposa

Borboleta pálida
amorosa da chama
não conhece o solo mundo de cores.
Tateia o que não vê.

Seu pó dourado e triste
é como uma lembrançado que pressente.

E voa para a morte
que é sua vida.




Dora Ferreira